Bruno Vital nasceu em Itaquá (como é conhecida a cidade de Itaquaquecetuba, na região metropolitana de São Paulo), onde hoje, aos 23 anos, continua a morar*. Surdo desde os dois anos de idade, em decorrência de uma meningite, o jovem é sem dúvida um dos principais artistas surdos da cena contemporânea.
Quando pequeno, Bruno encontrava nos desenhos um refúgio seguro e, alheio a tudo o que o rodeava, passava horas a rascunhá-los, quase sempre em preto e branco. Figuras humanas e objetos eram representados à risca nos papéis que lhe chegavam às mãos, e a preocupação com o real, com a exatidão dos contornos, já começava a marcar seus primeiros passos no universo da arte.
Aos poucos, foi entrando em contato com novas referências, novas linguagens e estilos. Certa vez, aos dez anos, sua mãe o chamou para assistir a um anúncio na TV que mostrava o trabalho de Picasso – e aquelas pinturas “esquisitas”, para ele inéditas, acenaram-lhe com uma nova possibilidade de retratar o mundo. Mais tarde, foi a vez de Van Gogh despertar-lhe grande interesse. Afinal, a arte figurativa (mesmo que o termo ainda estivesse distante de seu vocabulário infantil) não podia se dar de várias formas?
Anos depois, de novo pela TV, o jovem soube – um tanto por acaso – da morte do fotógrafo húngaro Thomaz Farkas. Pelo noticiário, Bruno não só se encantou com a beleza das fotografias como decidiu que também se dedicaria a elas, que logo passaram a fazer parte de seu cotidiano (a primeira câmera, analógica, pegou às escondidas nas coisas do pai e a usou com um rolo de filme comprado com as economias que guardara até então; a segunda, digital, conseguiu emprestada de um amigo). Das primeiras fotos tiradas percorrendo bairros de São Paulo aos livros técnicos que se seguiram, novos termos e expressões – como “ISO”, “abertura do diafragma” e “velocidade do obturador” – começaram a lhe povoar os dias.
Nos vários cursos que frequentou (ou que ainda frequenta), Bruno vem reunindo novas experiências ao seu fazer artístico: no curso de Eletromecânica no Senai, por exemplo, o rigor do Desenho Técnico lhe deu mais subsídios para trabalhar com perspectivas, vistas, cortes etc.; em cursos realizados no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP), aguçou o contato com a Arte Contemporânea e passou a valorizar a poética dos desenhos, ultrapassando a ortodoxia de representações realistas; na Pinacoteca, pôde pensar em arte e inclusão; na Faculdade Belas Artes, onde cursa Artes Visuais, segue pesquisando e dando novos significados ao que aprendeu até hoje.
Dessa rica miscelânea emergem as suas obras. Em vários suportes (pinturas, fotografias, desenhos, esculturas, instalações), provocam o espectador com imagens e sensações nada triviais, mobilizando-o a confrontar o que é “normal”. Repletas de metáforas e estranhamentos – e sob a influência de artistas contemporâneos como Bruce Nauman (EUA), Christine Sun Kim (EUA) e Evelyn Bencicova (Eslováquia), entre outros -, suas obras quase sempre contam com a presença de formas humanas (fragmentárias) e tensionam ideias relacionadas à exclusão/inclusão, diferença, patologia, normalidade, doença, problema etc. Estereótipos são desfeitos, incômodos são causados e o que é corriqueiro perde espaço para o incomum, sem deixar de lado a sensibilidade, o afeto, a delicadeza do toque e a riqueza do que é diferente. Como indica o título de sua última exposição, realizada na Comuna Sagaz (São Paulo), ganham vida por suas mãos as Utopias fragmentadas: anomalias cotidianas.
* texto escrito para a Revista Espaço (INES), n. 46, jul.-dez. 2016.
Categoria: Artes Plásticas
País: Brasil
Línguas: Português e Língua de Sinais Brasileira (Libras/LSB)