Deafhood

(Por Hugo Eiji)

No bojo das lutas de diferentes grupos minoritários, dos discursos de movimentos feministas, negros, LGBTS (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Transgêneros e Simpatizantes), indígenas e das bandeiras por reconhecimento e conquista de direitos, inserem-se muitos dos movimentos Surdos, ancorados em associações, instituições e outros vários grupos ligados às comunidades surdas. Uma luta atravessada por discursos, termos e ideais comuns em diversas partes do mundo.

Entre militantes e teóricos dos Estudos Surdos, não raro ouve-se falar – e vê-se sinalizar – o termo Deafhood [1]. Promovida por Paddy Ladd, investigador britânico Surdo ligado à Universidade de Bristol, a palavra indica o processo de reconhecer-se e afirmar-se Surdo, em resistência às práticas e aos discursos colonizadores ouvintes (audismo/ouvintismo). Em alternativa a deafness (surdez), a palavra busca ressignificar e positivar a experiência Surda como forma possível de se estar no mundo, de ser Surdo (e “estar sendo Surdo”), distante de ideários biomédicos (patológicos) e caritativos.

Atrelada à concepção sócio-antropológica da surdez, o deafhood ressalta a “vulnerabilidade como força” – “vulnerability as strength” (LADD, 2005) –, marcando uma série de esforços necessários para se confrontar a hegemonia oralista/audista ainda vigente. Nesse movimento ativo de desvelar e desnaturalizar as interferências do audismo no cotidiano, de fazer-se (e “ser”) Surdo, sublinha-se o termo como ação, como palavra-em-processo, como ato contínuo de descoberta e pertencimento – força-motriz das militâncias surdas.

Permeados por esses ideários, por essas novas compreensões sobre o “ser Surdo”, diversos fatos e movimentos destacaram-se nas últimas décadas em diferentes países do mundo. A surdez, signo em luta, é assumpção disputada entre grupos minoritários que a afirmam como diferença (em seu aspecto político) e uma série de aparelhos ideológicos majoritários que a recolocam no campo da patologia.

Embora a opressão ouvintista muitas vezes não se desdobre em atos consensuadamente repugnantes que repercutem nos media e que estremecem partes da opinião pública (como os crimes de ódio, homofóbicos, racistas, religiosos, etc.), ela se perpetua de forma violenta e sutil (por isso, perversa), em geral com o aval da maior parcela da população. Sob o véu dos discursos da “inclusão”, da “caridade”, da “cura”, bem quistos pelo senso comum, os processos ouvintistas continuam a achatar muitas das possibilidades do povo surdo, além de neutralizar, anular, subjugar e gerenciar a diferença.

Como um processo pouco visível, comumente aclamado e aplaudido, os avanços normouvintizadores vêm a rarefazer a riqueza das diferenças, colmatando-a com um modelo normalizado e totalitário de se “estar no mundo”. Contra isso, e pelo direito de “ser Surdo”, levantam-se novas (e antigas) lutas, articuladas e mobilizadas por diferentes protagonistas.

 

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[1] O termo, na língua inglesa, é formado pelo uso do sufixo hood, que indica condição, estado ou grupo de pessoas/coisas a partilharem a mesma condição/estado – por exemplo, em brotherhood (irmandade), fatherhood (paternidade), priesthood (comunidade de clérigos), etc. Deafhood, por isso, pode ser traduzido como surdidade ou, como preferem alguns, “Ser Surdo”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

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